quinta-feira, 27 de maio de 2010

Verão Azul

Os Lobos

Estamos em finais da década de 80, início dos anos 90. Somos 5, como nos livros que ás vezes íamos alugar á biblioteca, de bicicleta. Sempre de bicicleta. As famosas BMX, de que nos orgulhávamos tanto. Ás vezes decidíamos pintá-las, ou acrescentar um ou outro acessório para as modernizar e diferenciar, ou então só para passar o tempo imaginado que éramos mecânicos. Éramos 5, como nos livros. A biblioteca era pequenina e cheia de livros. Algo distante da nossa casa, tínhamos liberdade total para ir de bicicleta onde bem entendessemos. Muitas vezes nem os progenitores sabiam onde andávamos. Sabiam apenas que estávamos juntos, os cinco. Aparecíamos sempre para jantar. Sempre fomos bem educados. Algo tímidos, mas bem educados. Nunca porém nos faltou a rebeldia doseada da infância. Tinhamos prazer em vestir personagens de detectives e imaginar que os paus e os tijolos eram verdadeiras G3, como aquelas que apareciam no filmes que víamos em cada da avó. Afinal, a televisão era a cores, e era grande. Tinha um moldura castanha, que sempre me pareceu original. Gostávamos de dar tiros com as chumbeiras. Nunca nos passou pela cabeça fazer coisas que hoje toda a gente teme e desgraçado do pai que deixar o seu filho pegar numa arma de pressão de ar. Éramos 5. Eu, o andré, o "juberto", a mizé e a miguelinha. Sabíamos aquilo para que cada um de nós tinha jeito. Quando brincávamos aos pais, sabíamos que o andré gostava de atirar a boneca para o ar e dizer baboseiras. Quando jogávamos á bola, sabíamos que a miguelinha dificilmente ía marcar um golo. Quando andávamos pelo pasto a correr, não sabíamos que íamos chegar a casa cheios de pulgas.Tinhamos a nossa cadelinha, a Charlie, por causa dos desenhos animados que viamos. Aos sábados e domingos tinhamos hora marcada para nos encontrarmos, com as nossas bicicletas. Não podiamos faltar. E passávamos a semana á espera destes dois dias de pura brincadeira. Houve um dia que até combinámos ser obrigatório ir de t-shirt branca e o nosso grupo, o nosso inocente guetto, tinha por nome : Os Lobos. Não sei porquê. Pareceu-nos bem. Dava uma imagem de união e de força, atiro eu. Talvez tenha sido por isso. Pela união e pela força. Partilhávamos a roupa e os sapatos uns dos outros, as bicicletas, os legos, tudo. Viamos filmes juntos. Ríamo-nos sempre nas mesmas alturas (excepto o andré que adormecia muitas vezes). Ás vezes a avô também via um filme connosco e ria-se muito também. E a barriga dela abanava. O colo da avó sempre nos fez tão bem. Nenhum de nós esquece como é esse lugar, ainda hoje. A avó continua com um colo doce. Não sabíamos o que iríamos ser quando crescessemos, nem o que era o PEC. Não tinhamos internet, telemóvel ou playstation. Tinhamos sempre um bola de futebol e uma de basquete. Não faziamos desporto nem tinhamos língua estrangeira na royal school. Tirando o avô, ninguém nos obrigava a estudar. E mesmo o avô, sabiamos bem como lidar com ele, porque conseguíamos sempre jogar ping pong na mesa da sala em vez de fazer a tabuada. Comíamos o que estava na mesa porque o avô dizia que se não comessemos ao meio dia, o iríamos comer á noite ao jantar. O meu avô ás vezes levava-nos para o posto da GNR, onde trabalhava, e com orgulho dizia que éramos os netos, da maria, da gracinda e da "cramelina". Ouvíamos música no rádio, depois de o desmontarmos e voltarmos a montar. Tinhamos sempre óleo de corrente nas calças. Usávamos bonés. Éramos livres. Fomos felizes na nossa infância. Muito. Viamos séries magníficas como o verão azul. Éramos os lobos. Éramos força e união. Somos hoje mais do que primos. Somos sangue e somos amor.